Para evitar ou minorar futuras tragédias é importante analisar o que se passava com a meteorologia nos grandes incêndios que nos afectaram e levaram vidas humanas. Vou deixar um pequeno contributo para que os especialistas façam um trabalho de análise que permita melhorar as previsões no futuro.
Em qualquer previsão, saber o que se passa na troposfera até uma altitude de 10.000 metros é fundamental para saber que fenómenos meteorológicos podem ocorrer. O instrumento de previsão que nos fornece essa informação é o tefigrama. É o que eu uso diariamente para fazer as previsões que edito neste site.
Deixo a seguir os tefigramas dos dias em que ocorreram os grandes incêndios com vitimas mortais este ano. Podem obter qualquer data e qualquer local do mundo nos últimos 12 anos neste link: : http://www.ready.noaa.gov/READYamet.php
A conclusão a que eu chego é que neste passado Domingo dia 15 de Outubro as previsões eram bem piores do que no dia 17 de Junho em Pedrogão. A instabilidade era muito parecida, a temperatura era mais baixa, mas o vento era extremamente mais forte.
15 de Outubro
Pedrogão Grande
Quando digo que são parecidos na instabilidade significa que as correntes de convecção eram poderosas, o fumo podia subir até aos 10.000 metros, depois de formar nuvem com desenvolvimento vertical com base aos 3000 metros no dia 15 de Outubro e aos 4000 metros no dia 17 de Junho. Nestas condições podem ocorrer descargas eléctricas, as descendências fortes (down burst) e os remoinhos (ou tornados, ou dust devil) são praticamente obrigatórios. No dia 15 de Outubro o vento constante de cerca de 60 km/h misturado com as descendências e ascendências fortes impedia o voo de meios aéreos em segurança.
Se fizerem uma análise de todos os grandes incêndios com este instrumento de previsão talvez se chegue mais facilmente a algumas conclusões. Ainda não dediquei tantas horas de análise aos incêndios como dedico aos fenómenos relacionados com a neve e o gelo. O que pude ver até agora é que quando o fumo pode subir muito alto e há muito vento os incêndios são incontroláveis. Sem condições meteorológicas favoráveis os grandes incêndios não se conseguem extinguir. As condições meteorológicas de 15 de Outubro foram as piores que já vi, a passagem do furacão Ofhélia perto da nossa costa criou uma corrente de vento quente vindo de Sul com uma intensidade bastante rara. As condições meteorológicas de 17 de Junho são relativamente mais frequentes nos Verões quentes. Em 2003 foram bem parecidas.
A prevenção e o ataque inicial é fundamental e deve-se investir muito nisso. Mesmo que se melhore esse aspecto é sempre possível ocorrerem grandes incêndios. O ordenamento do território e da floresta têm que sofrer uma verdadeira revolução que permita minorar os efeitos destas catástrofes.
Deixar apenas uma nota final, acho que se abusa da quantidade de alertas e avisos o que os torna pouco valorizados pela população. Há que fazer menos alertas e serem mais incisivos nos dias em que as catástrofes podem acontecer. Reconheço que não é fácil gerir este aspecto, mas há que fazer um esforço. Vou tentar ajudar no que puder, é uma obrigação de todos lutarmos contra este flagelo. Arranjar culpados é fácil, resolver problemas é bem mais difícil, eu sempre gostei de coisas difíceis e estou disponível para ajudar no que puder.
Foto de Manuel Ferreira
Parabéns pela análise.Há muito que digo o mesmo quanto à incombatividade deste tipo de incêndios nestas circunstâncias.os comentadores perdem-se com argumentos e divergem.todos deveriam ler este artigo.
Obrigado pelo seu contributo. Continuação do óptimo trabalho que desenvolve. Cumprimentos
Parabens grande Vitor por este teu contributo.
Garantidamente que o teu saber e experiência seriam bastante uteis a quem toma decisões. O saber antecipadamente as condições meteorologicas pode ajudar a minimizar situações como as que aconteceram. Pela minha experiência de antigo bombeiro também tenho noção que era impossivel combater incêndios como os que ocorreram no ultimo Domingo. O ataque inicial nestas alturas é que poderá fazer a diferença. A ver se os Politicos ganham vergonha e olham de maneira diferente para o nosso património florestal. A chave principal passa pela prevenção e essa faz-se fora da época dos incêndios.
Grande Abraço
Concordo perfeitamente, e no meu entender incêndios de grandes dimensões para alem do acesso ao AROM os postos de comando deveriam estar em contacto permanente com gente com conhecimento profundo de meteorologia, por vezes há janelas de oportunidade que se perdem pelo motivo de ignorar esta matéria ou do desconhecimento.
Abraço João Barbas
Boa tarde, devo enaltecer a sua postura e análise, absolutamente, intocável em termos científicos e humanos.
Parabéns e obrigado por partilhar a sua sabedoria.
Na minha opinião, devia ser contratado pelo Estado para e ponto final.
À boa maneira beirã, um enorme BEM HAJA.
Não quero ser contratado por ninguém. Além da idade já ser entradota, prezo muito a minha independência. Estou sempre disponível para ajudar a formar e incentivar pessoas mais novas a serem competentes na área da meteorologia.
Obrigado pela análise e partilha.
É sempre interessante ouvir opiniões sensatas e feitas com uma abordagem inteligente, vindas de quem estuda determinados eventos, neste caso sobre fenómenos e condições atmosféricos.
Parabéns pela informação e estudo abnegado nesta matéria. Tal como o Vítor sempre defendi uma prevenção pro-ativa, nas matas, floresta, povoações, acessos, etc. de acordo com as condições climatéricas.
Tenho a certeza que temos grandes especialistas no IPMA, com anos de formação e especialidade. Mas qual é a voz que comanda a 1@ decisão de topo? É a que prevê ou a que atua depois de acontecer. Em grande parte a proteção civil devia ser antevisão quando isso é possível, pois já é muito mais complicado quando tal não é possível. É preciso não ter medo de tomar decisões difíceis, onerosas, sem reconhecimento do trabalho preventivo, ( o que faz a GNR com a BT em tempo de férias) com possibilidade de virem a serem consideradas posteriormente desnecessárias mas mesmo assim preventivas.
Não percebo de meteorologia mas esta análise parece-me fazer todo o sentido. Apesar das condições climatéricas potenciarem a “explosão” do incêndio é sempre necessário uma ignição…
As autoridade de proteção civil deviam olhar para esta análise e conjugá-la com as Leis de Murphy: se pode correr mal, então vai correr mal – e então porem no terreno todos os recursos em protidão máxima.
São contributos destes que faltam nesta área: PÔR A CIÊNCIA AO SERVIÇO DA PRESERVAÇÃO DA VIDA.
NO relatório da comissão técnica independente discute-se o papel da estrutura da atmosfera no fogo de Pedrogão. As condições de instabilidade eram semelhantes, mas vento forte à superfície tende a inibir o desenvolvimento de fogos convectivos. Os fogos do litoral terão portanto sido dominados pelo vento, enquanto os do interior (Sertã e Lousã, os 2 maiores de sempre na Europa) onde o vento era mais fraco foram do tipo convectivo e apresentaram características similares ao de Pedrogão, incluindo raios e possivelmente colapso da coluna de convecção.
O que inibe a convecção são as inversões, o vento à superfície até a pode potenciar. O vento não apaga fogos só os potencia. As inversões são mais frequentes no litoral. Quando ocorre um incêndio há inversões que furam facilmente, e esse momento é de alto risco. Quando as inversões são poderosas nenhum incêndio as fura. Saber onde (a que altitude) quando (em que dias) e como (se são grandes ou pequenas) é determinante para saber o comportamento dos incêndios. As inversões funcionam como o regulador da tiragem de uma chaminé. O vento é uma consequência das diferenças de pressão e temperatura e não a origem dos fenómenos.
Sim, as inversões são importantes mas vejo que interpretou mal o que escrevi, ou então expliquei-me mal (afinal de contas não sou meteorologista). Há 3 tipos de fogos: dominados pelo vento à superfície, dominados pela topografia e convectivos (quando a força do fogo é maior que a força do vento). Os últimos só se desenvolvem quando há muita vegetação para arder e está seca e o fogo ganha uma certa dimensão, o que gera a energia necessária para que a pluma ascenda e “vença” o vento. Uma outra condição é a atmosfera ser quente e seca em baixo e relativamente húmida em cima e não haver wind shear significativo.